Como médico que atua na saúde pública em trabalhos de prevenção, linhas de cuidado, especializando-me em economia da saúde, sinto-me na posição de colocar uma visão sobre os dois lados da moeda das políticas de lockdown (fecha tudo) para conter o coronavírus.

Argumentos a favor do lockdown:
1. A doença deve matar cerca de 1% dos infectados. Se 1 em cada 4 pessoas for infectada, essa deve ser a principal causa de óbitos no Brasil em 2020. A maior parte é em indivíduos com pouca expectativa de anos com qualidade de vida. No entanto, mesmo somando apenas os anos com qualidade de vida perdidos, o coronavírus estará entre as doenças com maior impacto na sociedade.
2. Não sabemos como será a evolução epidemiológica e a evolução da gravidade médica da doença. No caso de mutação para formas mais graves, o impacto pode ser muito maior.
3. O uso de recursos do sistema de saúde para o tratamento de pessoas com coronavírus vai comprometer o tratamento e prevenção de outras doenças. Pacientes com infarto, AVC, trauma não terão disponibilidade de leitos de UTI/internação hospitalar.
4. Recessões econômicas ocorrem com ou sem coronavírus. O coronavírus não foi a causa, apenas a ponta de alfinete que estourou uma bolha que poderia ter estourado por qualquer outro motivo. A severidade da crise está relacionada também a outros fatores internacionais, como especulação, endividamento de pessoas e empresas com juros baixos ou negativos, entre outros. O coronavírus está sendo utilizado como desculpa, porém não foi a única causa de uma recessão.

Argumentos contra o lockdown:
1. A recessão deve ser muito maior com o prolongamento do lockdown.
2. O governo possui instrumentos para combater uma recessão, mas eles ficam mais limitados na situação de lockdown.
3. Um dos efeitos de uma recessão são menos investimentos em saúde. Muitas ações de prevenção e tratamento que são hoje custo-efetivas tornam-se inviáveis. É possível que a perda destas atividades cause mais sofrimento e mortes do que os efeitos diretos do coronavírus.
4. A saúde depende da economia. Pobreza é o maior determinante de saúde. A pobreza impacta no saneamento básico, situações de vida que causam danos à saúde, violência, fome.

Esses são os dois lados da balança, porém não sabemos o peso de cada um. Cabe aos governantes a tomada de decisão.
Não podemos minimizar a importância dessa crise. Qualquer opção terá consequências graves e duradouras na saúde e na economia, e então novamente na saúde por consequências da recessão econômica. Precisamos de uma decisão embasada em fatos técnicos que vise causar o menor sofrimento possível para as pessoas.