O AVC é uma doença de início abrupto que se torna crônica e que pode deixar muitas sequelas. Ao sofrer um AVC, mesmo que ele seja leve, os sobreviventes podem ter de enfrentar limitações na sua capacidade de desempenhar as atividades do cotidiano, prejudicando as possibilidades de se reintegrarem na comunidade e de participarem na sociedade. Essas limitações são a consequência da lesão cerebral: o cérebro que sofreu uma lesão passa a funcionar mal naquela área. Só que aquela área pode desempenhar uma função crucial, ou participar e contribuir para muitas funções. Dependendo da área cerebral em que ocorreu a lesão causada pelo AVC, diferentes consequências poderão surgir. As sequelas causadas pelo AVC, ou suas consequências, podem ser vistas como perda ou prejuízo das capacidades motoras, perceptivas, de linguagem, emocionais e cognitivas.
Perder a capacidade de andar ou o equilíbrio não é só o que pode acontecer a alguém depois de sofrer um AVC. A pessoa pode ignorar o lado esquerdo de seu corpo sem perceber, pode ter o campo visual diminuído, pode não conseguir produzir palavras e frases ou não conseguir entendê-las, pode experienciar depressão ou pode apresentar prejuízos cognitivos (ficar desatento, esquecido, desorganizado, sem iniciativa etc.). Os prejuízos cognitivos prejudicam ou impedem que o paciente realize funções mais complexas no cotidiano, como: fazer compras, gerenciar as finanças, organizar e tomar seus remédios etc. E essas são atividades que permitem que as pessoas se virem sozinhas, sem precisar de auxílio dos outros.
No hospital, muitas vezes, mesmo que a reabilitação seja iniciada, o paciente e a família não têm noção da dimensão dos sintomas causados pelo AVC, principalmente aqueles sintomas cognitivos e emocionais. Quando se volta para casa e se necessita enfrentar desafios ou obstáculos na tentativa de retornar as atividades que fazia antes do AVC, é que o paciente e a família vão se dando conta da situação.
A ansiedade é uma sensação de estar preocupado em grande parte do tempo, acompanhada de pensamentos catastróficos e sensações físicas, como tremores, frio na barriga, tensão muscular, aceleração do coração, entre outros. Depressão é quando o humor está rebaixado durante um período, demonstrado por sentimentos de tristeza, falta de vontade de fazer as coisas, problemas com o sono, com o apetite etc. Esses são os problemas emocionais mais comuns após o AVC. Pode ainda ocorrer apatia (ou falta de iniciativa), reações catastróficas (exageradas) às situações de frustração, fadiga ou cansaço mental ou psicológico. Os problemas emocionais causados pelo AVC, além de atrapalharem o processo de reabilitação, podem gerar sofrimento intenso para o paciente, interferindo na sensação de controle que ele pode ter de sua vida, a qual já foi afetada pelo AVC. Necessitam de tratamento psicológico e medicamentoso na maioria dos casos. Não devem ser negligenciados, necessitando de pronto reconhecimento por parte dos profissionais e dos familiares dos sobreviventes de AVC.
Mesmo que haja uma pronta recuperação motora, o paciente precisa ter acesso à avaliação e à reabilitação neuropsicológica. Através da avaliação neuropsicológica, o paciente poderá saber de suas forças e fraquezas cognitivas. Ou seja, ele vai saber se apresenta problemas com a atenção, a memória, a iniciativa, a organização e a flexibilidade, a noção de espaço, a linguagem. E, partindo disso, um plano de tratamento é traçado. A reabilitação neuropsicológica tem o objetivo de compensar dificuldades muito graves que o paciente apresente ou de recuperar a função cognitiva prejudicada. Depende de cada caso. Esse processo deve começar no hospital. Se não for possível que comece no hospital, precisa ocorrer após a alta, ainda precoce. E para que tudo isso, afinal? Para que o paciente fique o mais independente possível, consiga o máximo de recuperação funcional, participe novamente nas atividades de sua comunidade e da sociedade.
A ideia central é, então, que o paciente possa ter acesso a tratamentos com profissionais da neuropsicologia, da psicologia, da terapia ocupacional, da fonoaudiologia, enfim, todos aqueles profissionais, que trabalhem em conjunto para proporcionar ao paciente a melhor recuperação possível.
Nesse processo de reabilitação, o papel da família é fundamental. Não só o apoio ao paciente é necessário, mas também cuidados adequados, percepção e sensibilidade frente às dificuldades enfrentadas pelo paciente e também a necessidade de se reorganizar como família. Quando um de seus membros adoece, os papéis familiares podem precisar mudar: o chefe da família pode precisar de cuidados, a mãe pode precisar desempenhar papel de chefe, tomar decisões, preocupar-se com o sustento. O apoio ao paciente não fica apenas na necessidade de encorajá-lo e acompanhá-lo nos tratamentos, mas em compreender que, em muitos casos, ocorre mudança da personalidade como consequência da lesão cerebral, em que há a perda da identidade, caso em que aquele que cuidava, pode se ver fragilizado.
Deve ser direito de toda pessoa que sofre um AVC a possibilidade de se engajar em todas as formas de tratamento necessárias, para que possa voltar a viver do jeito mais digno possível, com qualidade de vida, almejando o máximo de recuperação funcional, evitando uma aposentadoria precoce ou a marginalização da sociedade.
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