O número de casos sobe entre os jovens. Mas um poderoso arsenal, composto por novos remédios, robôs e células-tronco, entre outras novidades, está ajudando a proteger e a reconstruir o cérebro
Mônica Tarantino e Rachel Costa
“Eu não sabia que derrame acontecia também em crianças”
Inês Heidemann, mãe de Diogo, de nove anos, vítima de um AVC quando tinha sete
O menino Diogo Heidemann acordou no dia 18 de outubro de 2009 indisposto. Era domingo, dia de passeio, mas ele preferiu ficar em casa, localizada em Joinville, em Santa Catarina. Até então, para a mãe, a assistente de processamento de dados Inês, o problema do filho não passava de uma virose. Ela só se preocupou mesmo quando encontrou o garoto caído no chuveiro, minutos depois, com os braços e pernas paralisados e a boca torta. Desesperada e sem saber o que acontecia, correu com a criança para o hospital. O susto veio com o anúncio do neurologista: Diogo, então com 7 anos, acabara de sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). “Para mim ele estava daquele jeito porque tinha batido com a cabeça no chão durante o banho”, conta Inês. “Eu não sabia que derrame acontecia também com criança.” Felizmente, o menino recebeu pronto atendimento. Três dias depois, já estava em casa, andando e falando normalmente.
Um caso como o de Diogo chama a atenção. Como é possível um garoto de 7 anos, saudável, ter sido vítima de um problema que, pelo senso comum, atinge somente os mais velhos? Dados recentes obtidos em todo o mundo demonstram que, infelizmente, esta ideia está ultrapassada. O AVC, conhecido popularmente como derrame, também começa a acometer populações mais jovens. Só no Brasil, em nove anos, apenas entre homens de 15 a 34 anos, foi registrado um aumento de 64% nas internações por causa do AVC. Entre as mulheres na mesma faixa etária, o crescimento foi de 41%.
O fenômeno intriga os especialistas. Acredita-se que parte do aumento no número de casos entre os mais jovens seja resultado de hábitos pouco saudáveis, que elevam o risco (sedentarismo e alto nível de colesterol total, por exemplo, são fatores de risco para o problema). Mas também se discute até que ponto os métodos mais eficazes de registro de casos disponíveis atualmente contribuem para a elevação oficial dos números.
Seja qual for o motivo, a constatação preocupa. A doença é a que mais mata em vários países – entre eles, o Brasil – e é a principal causa de incapacitação no mundo. Denominam-se AVC dois tipos de interrupção da irrigação sanguínea no cérebro: a causada por rompimento de um vaso (AVC hemorrágico) ou por seu bloqueio por um coágulo ou placa de gordura (AVC isquêmico). Em ambas as situações, os neurônios da região atingida morrem, resultando na perda da função correspondente à área. Se ocorrer na que controla a fala, por exemplo, o indivíduo pode até perder essa capacidade.
Tamanha gravidade está levando a medicina a fazer um esforço sem precedentes para barrar seu avanço. E tem obtido boas vitórias. As primeiras estão ocorrendo ainda na fase de prevenção e diagnóstico. Hoje se sabe muito mais sobre o que pode levar a um AVC. É consenso que as duas principais causas são a hipertensão arterial e o depósito de gordura nas artérias. “Esse é mais um motivo, entre tantos, para manter a pressão arterial e o colesterol nos níveis adequados e não fumar”, aconselha o renomado neurocirurgião Marcos Stavále, de São Paulo, autor do livro “Bases da Terapia Intensiva Neurológica”, lançado este mês. Também já é de conhecimento entre os médicos que outro fator importante são os aneurismas, bolsas de sangue que se formam na parede externa dos vasos sanguíneos e que rompem, causando hemorragia. Eles provocam um terço dos AVCs. Essa informação faz especialistas como Stavále defenderem a realização de pelo menos um exame de ressonância magnética do cérebro entre os 40 e 50 anos.
Ainda na área da prevenção, há avanços na esfera dos remédios. Recentemente, ganhou importância o uso do dabigatran, medicamento anticoagulante que pode substituir a varfarina (o mais usado) na prevenção em pacientes com fibrilação atrial – uma arritmia nos batimentos cardíacos responsável por muitos dos derrames mais graves. “Ele vai revolucionar a prevenção nesses casos”, considera a neurologista Sheila Martins, do Hospital das Clínicas de Porto Alegre. A principal vantagem é a simplificação no monitoramento do paciente, uma vez que o dabigatran dispensa a realização frequente de exames laboratoriais, coisa obrigatória no caso da varfarina. “Tenho pacientes usando e os resultados são bons”, diz o neurologista Robson Fantinato, do Hospital do Coração, em São Paulo.
Essas são medidas preventivas que podem ser tomadas hoje. E há opções em estudo para o futuro. Cientistas do Instituto Karolinska, na Suécia, por exemplo, descobriram um anticorpo que evita o depósito de gordura nos vasos sanguíneos. Portanto, quem fabrica a substância em abundância possui chances mais reduzidas de ter um AVC. Quem, ao contrário, tiver problemas na sua fabricação, apresenta risco mais elevado. Os pesquisadores criaram, então, um teste que mede a quantidade desses anticorpos no sangue. “Ele poderá ser usado para identificar os indivíduos que possuem mais riscos”, disse à ISTOÉ Johan Frostegard, líder do trabalho.
Uma certeza no que diz respeito ao AVC é que a agilidade no atendimento é essencial. Isso porque o tamanho do dano que provocará está diretamente associado à sua extensão. Quanto maior a área, mais graves as sequelas. Por isso, quanto mais rapidamente for controlado, menores as regiões atingidas. Há duas ações básicas que devem ser tomadas após o diagnóstico. Se o caso for de AVC hemorrágico, é necessário baixar a pressão arterial, evitando que o sangue continue sendo bombeado com vigor, e em geral, drenar o coágulo formado pelo sangue derramado, após a hemorragia cessar. No AVC isquêmico, deve-se ministrar os remédios trombolíticos. “Eles ativam o sistema fibrinolítico, responsável por destruir o coágulo”, explica o hematologista Ernesto de Meis, do Instituto do Câncer de São Paulo.
A janela de tempo para que os efeitos benéficos ocorram, porém, é pequena. “Os benefícios são conseguidos se o remédio for aplicado até as quatro ou cinco horas seguintes ao início do AVC”, disse à ISTOÉ a pesquisadora Sonia Alamowitch, da Universidade Pierre e Marie Curie, na França. Mas calcula-se que apenas 5% das pessoas cheguem ao hospital dentro desse limite. Passado esse tempo, em alguns casos, há a opção do cateterismo, procedimento médico mais delicado e realizado em poucos hospitais.
Um recurso que tem ajudado na hora da emergência é a telemedicina. Capaz de ligar, por meio de computadores, vários serviços de atendimento, o instrumento está garantindo o acesso rápido a um neurologista – ainda que esse profissional esteja a quilômetros de distância. Nos EUA, a Clínica Mayo, um dos principais centros de referência em pesquisas médicas, está interligada a outros dez hospitais menores, que não têm esse profissional na equipe. Quando um paciente com suspeita de AVC dá entrada nessas emergências, um neurologista da clínica é chamado para acompanhar o caso pela internet. “Já tratamos mais de 500 pacientes por meio da telemedicina”, diz Bart Damaerschal, diretor do Centro de Doenças Cerebrovasculares da clínica. No Brasil, o Hospital das Clínicas de Porto Alegre mantém iniciativa semelhante em cidades menores do Rio Grande do Sul e, em breve, coordenará o atendimento no Hospital 28 de Agosto, em Manaus.
Um empenho especial está sendo dedicado a descobrir formas de proteger os neurônios das consequências tanto da hemorragia quanto da falta de sangue. As baixas temperaturas mostram-se um bom recurso para isso. “Os testes com o resfriamento cerebral são uma das áreas mais promissoras de pesquisa atualmente”, disse à ISTOÉ o neurologista Seemant Chaturvedi, da Academia Americana de Neurologia. O método consiste em reduzir a temperatura corporal em dois graus, por meio da colocação de bolsas de gelo sobre a pele do paciente ou da infusão de soro frio por meio de cateteres. Isso faz com que as células reduzam seu metabolismo, consumindo menos oxigênio e dando aos médicos mais tempo para cuidar dos vasos sanguíneos danificados. “Alemanha, Reino Unido, Holanda, Itália, Suécia e Finlândia já estão aplicando a técnica para o tratamento do AVC”, disse à ISTOÉ Stefan Schwab, diretor do centro de pesquisas em Neurologia da Universidade de Erlangen, na Alemanha. Schwab está à frente de um grande estudo iniciado recentemente em 15 países sobre o tema.
Em Israel, Espanha e EUA, os cientistas investigam os efeitos protetores da redução do glutamato (substância cerebral). “A elevação do seu nível sobrecarrega os neurônios, contribuindo para sua morte”, explica o Thomas Carmichael, da Universidade da Califórnia. Na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, uma pesquisa observou que as pessoas com pior recuperação e maior área cerebral afetada eram as que possuíam maiores índices de glutamato. “Ainda não temos as respostas definitivas sobre por que isso acontece, mas diminuir o glutamato tem efeito neuroprotetor”, falou à ISTOÉ a pesquisadora Angela Ruban, do Instituto Wizmann, de Israel.
Para outros pesquisadores, o desafio é posterior: interessa-lhes recuperar as células cerebrais debilitadas pelo derrame. Essas técnicas podem, no futuro, reverter uma triste realidade do presente. Atualmente, 75% das pessoas que sofrem um AVC ficam com algum tipo de sequela. “Tempo é cérebro. Por isso é importante começar a reabilitação o mais cedo possível”, diz a fisiatra Cristiane de Almeida, responsável pelo Centro de Reabilitação do Hospital Albert Einstein (SP). Em geral, os maiores ganhos ocorrem no primeiro ano após o AVC. Depois, a melhora se torna mais lenta. “Mas é necessário persistir. O cérebro nunca para de procurar caminhos para restabelecer suas funções”, diz Cristiane.
Nessa área, uma das principais pesquisas acontece na Universidade de Glasgow, na Escócia. É lá que estão acontecendo os primeiros testes usando células-tronco para recuperar as áreas cerebrais danificadas. Desde novembro, dois pacientes, de um total de 12, já receberam a injeção. “Em camundongos, após o implante de células-tronco houve a recuperação de algumas funções motoras”, disse à ISTOÉ o coordenador do experimento, o neurologista Keith Muir. “Esperamos que essas mesmas melhorias sejam vistas em humanos.”
Na Universidade de Loyola (EUA), o foco é fazer com que os axônios – terminações nervosas responsáveis por levar impulsos elétricos a outras células – cresçam novamente após o acidente. Nos testes em cobaias, aquelas que receberam o tratamento, feito com o uso de um anticorpo criado em laboratório, tiveram uma melhora de 78% da capacidade de fazer alguns movimentos. Os que não receberam melhoraram apenas 47%. “A terapia permitiu o crescimento dos axônios do lado afetado e a melhor restauração das funções”, explicou à ISTOÉ Gwendolyn Kartje, líder do estudo.
E até o açafrão-da-terra, tempero de origem asiática, pode ajudar no tratamento de sequelas. Moléculas de um dos seus compostos, a curcumina, foram isoladas em laboratório por pesquisadores americanos. Os resultados, em cobaias, foram a redução dos danos musculares e a melhoria da coordenação motora – acredita-se que pela capacidade da substância de recuperar estruturas responsáveis pela nutrição dos neurônios.
Outro caminho bastante promissor é a terapia robótica. Robôs criados no Massachusetts Institute of Technology já são usados em hospitais de primeira linha na Europa e nos EUA. “Comparada à reabilitação convencional, a terapia com os robôs apresenta um rendimento duas vezes maior no mesmo período”, disse à ISTOÉ o brasileiro Hermano Krebs, o engenheiro que inventou os robôs. “O mérito dessas máquinas está na sua interação fina com os movimentos do paciente”, explica o especialista. Se a pessoa não consegue completar um exercício virtual – pegar uma bola, por exemplo – o braço robótico delicadamente guia o braço humano a partir dos limites do paciente. “Isso auxilia o cérebro a reaprender os movimentos e a formar novas conexões neurais”, explica Krebs.
A necessidade de incentivar o interesse dos pacientes também influencia na recuperação. “Eles precisam estar motivados”, diz a fonoaudióloga Fernanda Papaterra. Ela trouxe ao Brasil um método canadense que combina teatro, exercícios e fisioterapia vocal. Usado pela ONG Ser em Cena, a terapia dá bons resultados na recuperação de pacientes que tiveram prejuízo na fala.
Mais uma aposta dos cientistas é a estimulação cerebral por ondas eletromagnéticas. Ela está sendo testada em vários países e, na Universidade de São Paulo, em 36 pacientes. Na técnica, uma bobina é colocada sobre a cabeça do doente. Ela gera ondas que atravessam o crânio e penetram o cérebro, atingindo áreas predeterminadas. “O objetivo é modificar o padrão de trabalho de áreas cerebrais para melhorar a reabilitação”, explica o psiquiatra Marco Marcolin, coordenador do Grupo de Estimulação Magnética Transcraniana do Hospital das Clínicas de São Paulo. “Avaliaremos os efeitos da EMT seis meses após o fim do tratamento”, explica a neurologista Adriana Conforto, líder da pesquisa.
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