Casos reunidos em banco de dados de Joinville atraem a atenção de um dos centros de genética mais importantes do País
O eletricista Alfredo Przylepa, aos 48 anos, não ficava doente por nada. No máximo, uma gripe ou um resfriado. Os exames que ele fazia sempre apontavam pressão normal, nada de diabetes ou colesterol acima do padrão. Alfredo considerava-se um homem com a saúde quase perfeita. Quase. Ele sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) num sábado, logo após o almoço. Alfredo tirava um cochilo quando sentiu-se mal e foi até o banheiro. “Estava bem e de uma hora para outra ele passou mal. Perdeu os movimentos, estava com a boca torta e a língua travada”, lembra a mulher dele, Luciana Dias Cardoso, 42 anos.

O homem foi levado por um vizinho para um pronto-atendimento e, depois, para o Hospital Municipal São José. Fez uma bateria de exames e recebeu a confirmação: o AVC paralisou a mão e a perna direitas do eletricista. Era mais um vítima de um mal silencioso que intriga não apenas a família, mas médicos e cientistas. Alfredo estava fora de qualquer padrão de comportamento ou predisposição para se tornar uma vítima de AVC.

Segundo o médico Norberto Cabral, o mundo científico trabalha com potenciais conhecidos: o AVC é causado por pressão alta, diabetes, colesterol elevado, estresse, tabagismo e falta de exercícios físicos.

Cerca de um quarto dos pacientes de AVC não fazem parte do grupo de risco convencional. É uma estatística usada por médicos que só se comprova com muita pesquisa. E isso é o que não falta em Joinville. A cidade tem o segundo maior banco de dados sobre a doença do Brasil e as informações mais completas. Foi o que chamou a atenção de especialistas do Laboratório de Genética Molecular da Unicamp, de São Paulo.

Alfredo foi incluído em um grupo de pessoas escolhidas para fazer parte de uma pesquisa realizada pela Universidade da Região de Joinville (Univille) e pela Unicamp, a partir de dados coletados em hospitais, prontos-socorros, prontos-atendimentos e ambulatórios da cidade. Uma pesquisa anterior da Univille mostra que quase 10% dos casos de AVC em Joinville estão sem uma causa que possa ser apontada imediatamente. Esse mistério tem levado estudiosos a apontar causas genéticas para esses casos. Coincidência ou não, a mãe de Alfredo teve três AVCs, o último deles, fatal, aos 74 anos. E tias dele também enfrentaram a doença.

Pesquisa pode confirmar se causa é genética

Antes de migrar para a área genética, a pesquisa sobre AVC em Joinville, iniciada em 2005, traçava um mapa da doença na cidade. Está garantido até 2013 o convênio para a coleta de dados, que poderá ser prorrogado indefinidamente. Essas informações são consideradas de suma importância para trabalhadores e gestores da saúde, pois, segundo Norberto, é a doença que mais mata no Brasil hoje.
Mas, segundo assessoria de imprensa do Ministério da Saúde, o AVC é a segunda maior causa de mortes no País e a principal causadora de incapacidade do mundo. No Brasil, entre 2005 e 2009, registraram-se aproximadamente 170 mil casos. E destes, 17% terminaram em morte. E as estatísticas não terminam por aí. Das 11 milhões de internações registradas no SUS, cerca de 1,5% ocorreram por causa de AVC.
O alto número de afetados no Brasil e a qualidade do banco de dados de Joinville incentivaram a coordenadora do Laboratório de Genética Molecular da Unicamp, Iscia Teresinha Lopes Cendes, a vir para a cidade. “A gente só conseguirá fazer um bom trabalho genético se tiver um bom trabalho clínico anterior”, garante.
A partir destes dados anteriores, já coletados pelo médico Norberto Cabral e outros médicos envolvidos no trabalho, em outubro do ano passado começou uma série de coletas de sangue, tanto dos pacientes que não têm causa definida, quanto de familiares. O objetivo é confirmar se a causa é genética ou não. A ideia, segundo Iscia, é abranger pelo menos 500 vítimas e os parentes, o que resultaria em aproximadamente duas mil coletas de sangue. “É muito trabalhoso. É uma tarefa que não é trivial”, explica. Essa coleta será realizada até abril de 2012.
“Quanto maior o número de coletas, mais coisas novas conseguiremos extrair. Tentaremos descobrir alterações genéticas relacionadas à seqüência do DNA ou à estrutura dele”, adianta a professora da Unicamp.
Mas não será um trabalho fácil nem para Iscia, nem para Norberto e muito menos para a equipe da Univille, que irá colaborar com o estudo. Estima-se que o genoma de cada pessoa tenha entre 30 ou 35 mil genes e cada um deles deverá ser analisado. “Não é uma tarefa simples”, resume a professora.

Resultado poderá ter impacto mundial

14Se a pesquisa confirmar a hipótese genética apontada pelos pesquisadores de Joinville e pela professora Iscia sobre AVC, o resultado poderá influenciar os tratamentos em âmbito mundial. Segundo a médica, os dados podem ser usados para localizar as pessoas com alto risco de desenvolver a doença e, com isso, controlar os ambientes externos que aumentam a incidência do acidente.
Mas essa primeira fase da pesquisa é somente a criação de um biobanco. Além de extração e estocagem de material, feitas pelo professor Paulo França, da Univille. Já a segunda etapa é a mais complexa, pois depende do pedido de recursos para o trabalho. Segundo Iscia, a análise de cada amostra deverá custar cerca de U$ 1 mil, o que resultaria num custo de U$ 2 milhões para toda a pesquisa. A equipe está confiante de que poderá dar prosseguimento ao trabalho.