Metade de todas as mortes prematuras e das incapacidades físicas mundiais, atribuíveis a uma doença do sistema nervoso, é causada pelo AVC, o derrame. Somos de 5 bilhões a 7 bilhões vivendo na Terra, morrendo a uma taxa anual de 1%. O AVC é responsável por 10% de todos estes óbitos globais. Heterogeneamente distribuídos, já que dois terços deles ocorrem em países de baixa e média renda. No Brasil, ao contrário de muitos países, o AVC é a doença que mais mata.

Em 2005/6, Joinville teve 759 casos de primeiro evento de AVC. Três quartos dos pacientes eram hipertensos. Ao perguntarmos sobre como estava sua pressão arterial, na última vez em que a mediram antes do “derrame”, mais da metade disseram que seus níveis pressóricos estavam acima de 140/90 mmHg. Por que é tão difícil fazer com que os pacientes tomem todos os dias, pelo resto de suas vidas, os anti-hipertensivos da hipertensão, a aspirina, a estatina? Este desafio terapêutico é mundial. Nós, médicos, temos de fazer um pacto de saúde com os pacientes, explicando que a natureza biológica da arteriosclerose é crônica, progressiva e que as drogas atualmente disponíveis controlam, mas não curam.

Compartilhar metas: nos níveis tensionais; na taxa de colesterol; na hemoglobina-glicada, que traduz a taxa de glicose ligada à hemoglobina nos últimos três meses. Portanto, diabético, aqui vai um alerta a seu pâncreas: o glicoteste, aquele obtido pela punção digital, apenas diz, naquele momento, quanto está sua glicemia. Este exame, ao contrário da hemoglobina-glicada, é uma foto, e não serve para controle e prognóstico. Voltemos às metas: exames periódicos, remédios contínuos. Não é fácil. Quem sabe, talvez, mais assertividade.

Mais difícil do que conseguir aderência às drogas é mudar hábitos: tabaco, exercícios, dieta. Pouco adianta alertar sobre riscos, fornecer porcentagens, ponderar hereditariedade. A impressão que dá é que precisamos fazer um questionamento a mais ao paciente. Sem hipocrisias, ainda que sob vários matizes, somos culturalmente hedonistas. Assim, ao discutir hábitos parece-me mais eficiente perguntar às pessoas qual é a relação de cada um com o ócio, com o prazer, com a compensação. Por exemplo, o que você faz quando chega em casa? O quanto cada um se percebe como agente de seus autoenganos. Dialogando, por vezes, dá para semear um futuro insight, que é, em última análise, existencial. Na pratica, a ideia é fazer o outro redimensionar balança do custo/beneficio, a médio e longo prazos, entre desejo e recompensa.

Outro dia, sugeri ao nosso prefeito. O cidadão que, por exemplo, faz academia e deixa de fumar deveria pagar menos IPTU. Se os governos injetaram dinheiro no sistema financeiro moribundo, por que não investir na atitude preventiva, altamente rentável para o Estado, do usuário do sistema de saúde? Neste aspecto, penso que o tamanho do Estado, mais intervencionista no bolso do cidadão, deva oscilar mais para igualdade do que para liberdade.

Joinville é a primeira cidade da América Latina a comprovar, na última década, queda de um terço na incidência, mortalidade e letalidade por AVC. Paradoxalmente, como a expectativa de vida está aumentando, o número absoluto de óbitos tende a aumentar. AVC é sim, o maior problema de saúde pública brasileiro. Um elefante negligenciado a um metro dos nossos olhos.

*NEUROLOGISTA, DOUTOR EM EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA E MÉDICO DA UNIMED JOINVILLE

Fonte: Anotícia